Cinquenta e dois dias hoje.
Sem banho. Sem cortador de unha. Sem creme dental. Sem um pente sequer.
Comida, só duas vezes ao dia. Ao acordar, um café ralo e sem açúcar acompanhado de um pão duro sem manteiga. No meio da tarde, uma gosma feita sabe-se lá de quê. Água regrada. Escuro durante todo o tempo.
Nenhuma janela, nenhuma lâmpada. O mofo úmido brotando nas paredes e o cheiro de seus próprios excrementos se acumulando no buraco do canto da cela. Pelo barulho, já estava pra mais de meio.
Ninguém lhe dizia nada. Não sabia o que queriam. Rico, não era. Muito menos importante ou influente. Pra dizer a verdade, não valia o esforço.
Cinquenta e dois dias. Ou cinquenta e três. Ou cinquenta e um. Não sabia bem. Se baseava no barulho que faziam durante as trocas de turno. E no ronco do guarda que ficava à noite.
Pensara em se suicidar, mas não havia nada que pudesse utilizar. Chão de cimento, paredes de reboco, nem uma aresta ou farpa. Pede a Deus todos os dias pela sua morte. Mas Ele com certeza já se esqueceu de sua existência.
Amanhã vai botar seu plano improvisado em prática. Vai se jogar no buraco. De ponta. Deve ter uns quarenta centímetros de diâmetro. Assim será impossível se virar. Impossível se salvar. Vai morrer afogado na própria merda. Um destino merecido pra quem, como ele, foi um merda a vida inteira.
Só uma coisa lhe incomoda: não saber quem ordenou esse sequestro. A única pessoa que algum dia fez algo pensando nele. Que se dispôs a dispender tempo, dinheiro e neurônios com vistas à sua pessoa.
Queria ao menos saber seu nome. E o porquê.
E agradecer.
terça-feira, 3 de junho de 2008
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4 comentários:
E agradecer,,, que deve doer agonia não ter como tirar a vida... Fiquei meio apertado em aflição, pois que gosto de seqüestro. Estou com um "seqüestro" engavetado há muito!
Abraços e ácidas invenções!
caraca, que texto fenomenal. a angústia...
beijos.
Primeiro me lembrou de um documentário a que assisti uns dias atrás, sobre um garoto de 15 anos que está a 10 meses meditando sob uma árvore, sem comida, sem bebida, sem cortador de unhas ou creme dental. A intenção dele é ficar seis anos, como fez Buda.
Depois, me lembrou do livro "A insustentável leveza do ser", de Milan Kundera. Há uma parte em que ele fala sobre o filho de Lenin, que foi preso e que não limpava a latrina após defecar. Os presos que dividiam a cela com ele, britânicos, bateram tanto nele por isso, que ele resolveu se jogar na cerca de alta tensão, e morreu. Pela própria merda também.
Adorei seu texto.
Obrigada pela visita. Volte mais vezes.
Beijos.
Uau!!! Lembrei de Oldboy, V de Vingança, mas no fim, é o seu estilo que se impõe. Saudade de escrevermos juntos. Quando acabar seu tempo de escravidão, vamo???
Beijos
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