Jolene acordou. Pela 6300ª vez em sua vida. E ela nem mesmo sabia como pronunciar esse ordinal. Destrancou seu quarto. E sua vida. Recostou-se à veneziana de madeira, fina como o tecido de sua existência. Como o tecido de qualquer existência. O calor do sol matutino atravessou a camada melíflua de camisola e tocou sua pele ainda adormecida. Sentiu-se feliz, como em todas as 6300 manhãs de sua vida.
Sentou-se em frente ao espelho. Seus longos cabelos negros espalhavam-se em um fluxo contínuo, deslizando em direção ao centro da Terra. Gravidade. Acariciou-os lentamente. Toda a paciência do mundo. Nenhum pente jamais os tocara. Apenas seus dedos dançavam em seu piso macio.
Despiu-se da toalha úmida. Dobrou-a cuidadosamente, carinho.
E eu quero jogá-la em sua cama ainda desarrumada. Quero esculpir seu rosto em chumbo. E toda vez que meu rosto encontra seus cabelos, o cheiro. Creme rinse e tabaco. Sempre ali, o cheiro. Sempre em mim, o cheiro.
Jolene ouviu o ronco irregular de seu pai. E a porta aberta esperando. E ela sabia... havia algo mais em algum lugar...
Jolene ouviu o canto da floresta. O canto das coisas da floresta. Abriu a porta a pedido da brisa. Calmamente. Adentrou a noite.
E eu quero lançá-la ao espaço. A quero foguete. Nave. Quero fazer tudo o que for preciso. Pois toda vez que meu rosto encontra seus cabelos, o cheiro. Creme rinse e tabaco. Sempre ali, o cheiro. Sempre em mim, o cheiro.
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5 comentários:
ô cheiro esse... Impregnado assim...
Também não sei pronunciar esse numeral aê,,, hahaha
Tem nessa cena algo mais,,, exalando sensualidade distante,,, insensibilidade e possessão... Dos que fazemos leitor por identidade, rs
Abraços e aromáticas invenções!
Cheiro é um sério problema, sempre fica em mim também!
::D
Gostei!
que texto lindo.
Esse texto não é prosa, é poesia!
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