Era bom estar de novo ali.
Muito tempo havia se passado, é certo. Alguns anos. Mas nada havia se esmaecido em sua memória.
A um canto da sala, a cadeira de balanço. Onde haviam feito amor pela última vez. Podia se lembrar de cada detalhe. Fotografia. O sorriso maravilhoso no rosto dele enquanto crescia em suas mãos. Não. Não fotografia, mas filme. O movimento ritmado a princípio, depois desconexo, de sua dureza já completa entre seus dois montes de neve. Brancos. Como a neve. Quentes. Como o verão derretendo calotas polares. Não. Não filme, mas a vida. A vida jorrando de dentro dele. A fluidez atingindo seus cabelos, seus olhos, sua boca. Sentia ainda o gosto acre entre seus dentes. E enquanto ele se encolhia entre seus dedos, ela sentia-se agigantar. Senhora de seu homem, ele escorria por ela, percorrendo-a cada seu caminho, cada vão, cada desvão. Inundando-a. Preenchendo-a. Não mulher, mas deusa.
E agora tudo era ausência. E saudade. Ocupando todo o espaço vazio da escuridão.
Abriu a porta. O sol acabara de sair. Tépido, como naquela manhã. Caminhou até o pé de amora, onde haviam repousado. Dedos e lábios. Sujos e doces. Bocas experimentando dedos. Dedos experimentando onde quer que fosse.
Adentrou a estradinha que levava à praia. Tudo igual igual igual. Os mesmos grãos de areia se grudaram às solas de seus pés. O mesmo cheiro de coisa silvestre, o mesmo barulho de mar. Ali ela havia pedido um coração numa árvore. Ele dissera não. Uma árvore não é algo que se machuque. Hunf. Um coração também não.
Caminhou até a beira do mar. Estendeu as cadeiras uma ao lado da outra, exatamente como naquele dia. Verdade, podia se lembrar de cada detalhe. Não a vida, mas paixão. Ele do lado esquerdo. Ela do lado direito. À frente o horizonte. Não se falaram, não se tocaram. Mas nunca duas pessoas estiveram tão próximas. O silêncio de cada um estendeu-se em direção ao outro, preenhe de presença. Ultrapassando os ridículos limites da pele. Estendendo-se além de suas auras. Entrecruzando-se, misturando-se, tornando-os um. Clichê. Mas verdade.
Até que as mãos se tocaram de leve, e o mundo principiou a convergir em cores, sons, cheiros, sabores. Montanha-russa. Espetáculo. Picadeiro. Lentalentamente desacelerando, até que a areia, o sol, o mar voltassem aos seus lugares de origem. Calma. Paz.
Amor.
Uma lágrima caiu ao mar. Perdeu-se. Como ela. O mundo era muito grande sem ele. Muito fácil desaparecer.
O mesmo maiô, os mesmos óculos escuros, a mesma canção do vento. Só ela já não era mais a mesma. Caminhou até a água salgada, procurando por sua lágrima perdida. Queria de volta o sal que se fora. Em sua busca, bebeu toda a água do mar. Até que o encontrasse de novo, em algum lugar dentro dela.
sábado, 22 de novembro de 2008
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3 comentários:
Gosto muito de suas metáforas. Homem = água, mulher = deusa. A lágrima que se perde no mar. Obrigada por este texto. Me faz paralelos co minha vida. Montanha-russa.
É sempre bom ler poesia, ainda quando não versificada, quando não metrificada, ainda assim a poesia tem ritmo, seu texto tem ritmo, calor e ilusão.
Grande texto, poeta.
Olá, Moacir!
Muito legal isto!!
Lindo blogue, este, parabéns!
Abraço
Rodolfo
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