sábado, 17 de novembro de 2007

Rodapé

Sentou-se em sua cama.
Pousou a cabeça entre as mãos e chorou. Como nunca havia chorado antes. Como nunca nesses trinta e tantos anos de vida.
A decadência começara pouco a pouco. Quando nascera. Acreditava piamente que o auge da existência de um ser humano era o nascimento. Daí pra frente, tudo o mais é morte.
A sua se acentuara há dez anos atrás, quando sua mulher o abandonara. Sem explicações. Também inexplicavelmente, seu irmão mais velho desaparecera. Exatamente no mesmo dia. As más línguas se deliciaram.
A bebedeira foi inevitável. Anos e anos. Um dia seu pai veio e levou seu filho embora. Ele não se importou. Os amigos, já escassos, se afastaram. Não suportavam mais suas crises histéricas de auto-piedade. Nem sua insuportável tendência de desaparecer na hora de pagar a conta.
As mulheres, que a princípio se encantavam com seu jeito foda-se de ser, logo descobriram ser um embuste. Ele não dizia foda-se ao mundo... dizia foda-se a si mesmo. E a quem estava ao seu lado.
A única coisa que lhe restara era seu emprego. Escritor de obituários.
Mas hoje estava sentado em sua cama, chorando. Em suas mãos, um nome. Causa mortis: suicídio. E ele não conseguia escrever a porra do obituário. Depois de vinte anos fazendo a mesma merda, não conseguia escrever a porra do obituário.
Olhou novamente o papel através das lágrimas.
Manoel Batista de Araújo.
Seu nome de batismo.

7 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom.

Isabella Brito disse...

Aiiii que lindo, adorei!

Anônimo disse...

Do caralho!!! Muito bom,,, e arrisco dizer que só foi bom pq foi rápido,,, Se alongastes mais um tanto seria um clichê inaceitável, rs
Mas ficou perfeito! Bonito de arrepios...

Abraços e féretras invenções!

Paco Steinberg disse...

um tanto identificável.

Anônimo disse...

Na prosa ou na poesia , este cara é demais.Eu não teria parado se escrevesse bem assim.
Parabens amigo.

Anônimo disse...

Putz, muito bom!!!!
sabe... aprendi a gostar dessas histórias trágicas, agora quando a história tá bonitinha de mais eu fico sentindo falta de algo...
Beijo, poeta mais lindo do mundo!

principesca disse...

Oi Moacir. Bom demais esse texto. Final arrepiante. Gostei. Convido a visitar um blog novo: sufocandoepifanias.blogspot.com. Até mais!

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